Por Ana Sampaio
Uma mulher mantida por 44 anos em condição análoga à escravidão, no município de Porto Seguro, no extremo sul da Bahia, recebeu uma indenização de R$ 500 mil, após um acordo homologado pela Justiça do Trabalho, no final de 2024. O valor foi obtido com a venda da casa onde ela viveu e trabalhou sem remuneração, sem acesso à educação e sob isolamento social desde a infância.
Identificada com o nome fictício de Maria, a vítima foi levada para a casa da empregadora quando tinha cerca de 6 anos de idade, sem falar português e sem qualquer documento. Viveu por mais de quatro décadas como empregada doméstica, sem salário, sem direitos e completamente à margem da sociedade.
A situação começou a mudar após a morte da empregadora, quando Maria passou a viver com um dos filhos da ex-patroa. Sua história veio à tona por meio de uma rede de apoio composta por uma vizinha, uma advogada voluntária e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). O caso foi denunciado ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que abriu um inquérito civil e, diante da recusa da família em resolver a situação extrajudicialmente, ajuizou uma ação civil pública. Paralelamente, a advogada Marta de Barros, que representa Maria, entrou com uma ação trabalhista na Justiça.
O acordo judicial, assinado no fim de 2024, previa o pagamento da indenização até fevereiro de 2025 — o que foi cumprido com a venda de imóveis pertencentes ao espólio da ex-empregadora. Até o pagamento integral, os herdeiros realizavam depósitos mensais de um salário mínimo à trabalhadora. O valor total da indenização já está depositado em conta judicial e sob a posse de Maria, que é acompanhada por uma rede de proteção para evitar fraudes ou golpes.
“Reparação não apaga o passado, mas permite um recomeço”
A procuradora Camilla Mello, que atuou no caso desde o início e segue acompanhando a vítima mesmo após deixar a unidade do MPT em Eunápolis, afirmou que o caso representa uma quebra de ciclo histórico de exploração e invisibilidade.
“A reparação não apaga o passado, mas representa a possibilidade concreta de reconstrução da vida de forma digna”, destacou.
O acordo foi conduzido também pelos procuradores Ricardo Freaza e Claudio Cunha, junto à advogada da vítima. Ele encerra tanto a ação individual quanto a ação coletiva movida pelo MPT.
Hoje, aos poucos, Maria reconstrói sua vida: tem carteira assinada, estuda para se alfabetizar, mora em um imóvel alugado e recebe apoio de profissionais e voluntários para se adaptar à liberdade e à autonomia que lhe foram negadas por tanto tempo.
Fonte: Bahia Notícias