38 novos patrões entram na lista suja do trabalho escravo na Bahia

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) incluiu 38 novos empregadores baianos no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. A atualização do documento, conhecido como lista suja, ocorre a cada seis meses e foi disponibilizada no último dia 5 de abril. Do total de empregadores, 20 (52%) utilizavam as vítimas como trabalhadores domésticos em suas residências. O número é dez vezes maior do que o registrado no ano passado, quando ocorreram apenas dois resgates de trabalhadores domésticos. Na época, 20 novos patrões foram incluídos na lista suja.

Para chegar até esses casos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia apura as denúncias que são recebidas através do sistema disque 100 ou do site do órgão. A partir desse ponto, um grupo de trabalho, composto por auditores fiscais, procuradores do trabalho, representantes da Defensoria Pública, da União, da Polícia Federal ou Polícia Rodoviária Federal, se articula para fiscalizar o local em que há suspeita de atividade executada por meio de trabalho análogo à escravidão.

O aumento no número de casos, sobretudo aqueles cujas vítimas são trabalhadores domésticos, se deve à intensificação feita na fiscalização a partir do ano de 2020, conforme afirma a procuradora do MPT Manuella Gedeon, que coordena as ações de combate ao trabalho escravo na Bahia. “Houve um incremento da fiscalização em âmbito doméstico. Antigamente, existia uma dificuldade muito grande de fiscalizar as residências porque existe, na Constituição, a proibição de adentrar o domicílio sem autorização. O auditor fiscal ficava sem poder entrar. Mas, de 2020 para cá, começamos a nos organizar para ajuizar as ações, pedir autorização judicial através de denúncia”, relata.

Com permissão para realizar fiscalizações, casos foram solucionados e o número de denúncias começou a crescer, o que para a procuradora é um claro sinal de que não foi a incidência desse tipo de ocorrência que aumentou, mas sim o número dos casos que foram descobertos. “Principalmente nos casos das domésticas, há um problema antigo e uma cultura antiga no nosso país de casos de trabalho escravo. Nós resgatamos mulheres e homens que estão nessa condição há 30 ou 40 anos, em casas de família, trabalhando sem nenhum direito. Então, isso sempre existiu, mas agora a equipe está conseguindo chegar”, reitera.

A maior parte dos empregadores baianos que submetiam seus trabalhadores a condições degradantes, dentre aqueles que a lista suja conseguiu registrar o endereço, estava localizado em Salvador. Foram seis casos do tipo registrado na capital baiana, um dado que também rompe a imagem de que a existência de trabalho escravo é restrita às regiões rurais.

“Esse incremento de casos em Salvador se dá pelo incremento das fiscalizações em áreas domésticas, porque antigamente as fiscalizações ficavam muito em âmbito rural. Na capital, é muito comum o trabalho análogo à escravidão nos setores da construção civil. Existe uma degradação nos alojamentos, quando se traz trabalhadores de fora para atuar em uma obra. E também no âmbito doméstico. Então, não existe só trabalho escravo rural. Ele pode estar em qualquer ambiente”, sinaliza.

Para Hildete Emanuele Souza, coordenadora do Núcleo de Enfretamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH-BA), além de trazer à tona a persistência do problema do trabalho escravo, a lista suja é um recurso importante para punir seus algozes. “É um mecanismo muito interessante para expor para a sociedade que aquela empresa não respeita e nem garante os direitos trabalhistas. Além de uma penalidade no âmbito cultural da sociedade que passa a evitar consumir daquela empresa, também existem as penalidades no campo de incentivos fiscais, de licitações. Porém, ressalto que a lista suja precisa ser amplamente divulgada e que as penalidades devem ser executadas de forma mais rígida”, pontua.

Assim como o NETP, o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Estado da Bahia (Sindoméstico-BA), que faz parte da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, defende punições mais severas para esses empregadores. Creuza Oliveira, presidente do Sindoméstico-BA, diz que acompanha cada caso de trabalhadores domésticos que são resgatados de trabalhos análogos à escravidão e que um nome na lista não repara uma vida roubada.

“Esses patrões têm que ter ainda mais punição pela violação que praticaram contra o direito dessas pessoas, que levaram toda a sua infância e juventude fazendo esse trabalho sem serem reconhecidos ou terem garantidos os seus direitos. A maioria das vítimas [empregadas domésticas] sofreram violência racial, sexual, moral, a violência de ter perdido o contato com sua família. A violação total do direito desses trabalhadores faz com que colocar o nome na lista seja pouco. Tem que indenizá-los para que possam viver o resto da vida com segurança”, ressalta.

Além de lutarem para o endurecimento das punições, há também a busca pela prevenção. Só no ano passado, 250 trabalhadoras domésticas de Salvador, Feira de Santana e Simões Filho passaram por um curso de capacitação profissional e conscientização do seu papel na sociedade, do seu direito trabalhista e de outros temas importantes, como racismo, machismo e sexismo. Neste ano, uma turma composta por 150 trabalhadoras domésticas vai ser capacitada no Instituto Federal da Bahia (Ifba), em Salvador.

Por outro lado, ainda que seja reconhecidamente necessário o processo de conscientização dessas profissionais, a auditora-fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego Liane Durão chama atenção para o fato de que a iniciativa de combate a casos de trabalho escravo deve ser de toda a sociedade. “Nesse sentido, todas as instituições de regulação do direito do trabalho, principalmente a inspeção do trabalho, precisa realizar fiscalizações planejadas, não só aquelas decorrentes de denúncias. Nessas ações, já são encontradas diversas irregularidades que, quando combatidas, se combate também a exploração extrema. […] Toda a sociedade tem que ter consciência do conceito, de como identificar uma situação de exploração e de trabalho análogo à escravidão e denunciar”, finaliza.

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